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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Chicago, Eixos e Obras do Acaso - Maio 30


Esquecesse a primavera que houve inverno e esse dia seria possível: mais de vinte graus em Boston. Foi dia de conferência no Brigham and Women’s Hospital. O ser humano é conhecidamente simétrico. Bilateralmente, como todos os animais biologicamente superiores. Esta manhã, uma palestra me chamou a atenção para as poucas excentricidades que temos, seus determinantes e, portanto, a definição de sua vitalidade. Voltando aos primórdios embriológicos, nos primeiros dias do desenvolvimento, na parte póstero-superior da notocorda, um movimento para a esquerda de um fluido determinará a existência do coração, previamente assinada pelo mesoderma lateral.

Já a conferência sobre a função de determinadas células inflamatórias de nosso corpo (células T de memória) me deu uma luz sobre algumas dúvidas que ficaram penduradas desde a última vez que li um artigo. Se isso soa distante, é engano; é puro feriado prolongado.

Agora, voltando ao eixo, será que nascemos assim, duas metades? Começa-se bem. Em estudos envolvendo técnicas de silenciamento de genes e análise patológica de defeitos congênitos, descobriu-se que o movimento de meros cílios é responsável pela mais primitiva quebra no balanço do eixo humano. Por trás disso tudo, há estudos sobre a importância desses cílios de estarem posteriormente orientados, o que é determinado pela polaridade das células planares. Moléculas como a inversina e cascatas de sinalização relacionadas à polaridade dessas células são muito influenciadas por genes como Angl1 e Angl2, cujo estudo em ratos revelou anomalias cardíacas que vão desde uma má-orientação no eixo cardíaco até transposição de grandes vasos. Adicionalmente, um paciente sem expressão da inversina nasceu com transposição e comunicação arteriosa. Assim, a ciência fatia e passa manteiga.

Em nome do feriado, trago notícias da terceira maior cidade dos Estados Unidos, onde o vento não pára e a praia é de água doce. Refiro-me a Chicago, com seu belíssimo Lago Michigan. Na oportunidade, visitei diversos pontos culturais importantes, incluindo o Museu de Cirurgia, onde equipamentos do início do século passado e trabalhos científicos de ponta recentes extremavam-se, ocultavam o meio-tempo, lançavam os dados da medicina. Os genes da simetria ficaram por digerir na minha mente. Na praça do milênio, em frente ao super espelho em forma de feijão tirei fotos que distorciam os tão vital eixo humano. Será que do outro lado do espelho os genes são outros? Ou a embriologia já não é lei naquelas terras?

De posse de muitos dados dos ensaios laboratoriais, eu não tardaria a precisar de uma revisão de bioestatística, o que está tendo alta significância para o meu entendimento científico. Ainda no laboratório, cada vez aprende-se mais o quanto algumas coisas se contaminam facilmente, se não manipuladas de forma adequada. Atenção especialmente para as quantificações do tipo RT-PCR, dado que as enzimas RNAses são onipresentes. Felizmente, sou muito bem acompanhado no laboratório. Você dirá que essa acurácia é muito surreal para se preocupar. Mas a ciência é mesmo detalhes.

Os estudos mostram como falhas no desenvolvimento da pouca assimetria que temos afeta órgãos importantes, destacadamente o coração; havendo, assim, muitos estudos ainda nesse mundo. As viagens mostram que há outros mundos, o que aumenta o número de estudos que a ciência precisa fazer. Os feriados mostram que lazer também é cultura e descanso, passível de provações estatísticas. Abstraindo da excentricidade da primeira pelestra, temos na essência do ser humano um eixo elusivo, desviado, guardado sob uma crosta espelhada, simétrica, que emana e muitas vezes requer simetria na interface com os semelhantes.